sábado, 24 de julho de 2010

Daniel por Sara Moutinho




Fotos de Sara Moutinho do Daniel na última Quinta de Leitura. Mais imagens aqui!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Foi ontem no Teatro do Campo Alegre

Foi ontem que o Daniel voltou às Quintas de Leitura num espectáculo muito bem concebido pelo programador João Gesta.
Na companhia de Pedro Lamares, Teresa Coutinho e Margarida Carvalho leram-se textos já passados e a parte da Casa da Meia Distância.
Mais um momento a reter nas nossas memórias.

A Casa da Meia Distância nas Quintas de Leitura

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

54

Acho que estou a precisar de ir descansar. Vou para o meu quarto,

que sei perfeitamente onde fica.
Lembro-me de outrora ter escrito livros, de ter
falado de bosques.
Agora só tenho no meu quarto
um armário cheio de pequenas gavetas,
fechadas por alguém ou por mim há muito tempo.
Um solitário feixe de luz incide no armário,
parece vir enfeitado de lampadazinhas coloridas,
conhecidas também por colours of the rainbow.
Naquela gaveta poderá estar um perfil de telhados – silhueta trespassada
pelo grande sol frio do fim da tarde.
Lembro-me de outrora ter falado de bosques…
Naquela gaveta poderá estar o espelho longevo
com seu insubstituível reflexo de divisões infantis.
Quatro ou cinco gavetas terão uma praia
que se estende com a luz matinal
a varar as distâncias.
Outras terão as abas dos guarda-sóis
com o som que fazem quando lhes dá o vento.
Tenho um armário com as imagens separadas
que tão a sós não fazem um poema.
A perenidade ao sol
de Françoise a beber o mazagrin
também deve estar em alguma gaveta.
Não faço ideia da gaveta em que estará a tarde
que decorre com esplanadas ao fundo
e onde tudo quanto se move
é descontracção e alegria.
Fátima oferece-me água da Serra da Penha
numa gaveta que exista e que seja secreta.
Em que gaveta estará o menino a lamentar-se aos pais
por o caranguejo que apanhara
já não estar no balde que trazia?
Françoise bebe agora um cocktail, talvez de ginger ale.
Mas não sei em que gaveta. Se bem me recordo, contemplava um soleil couchant,
kitsch, ele também, por sua vez, mas lindo até ao fim do mundo.
…………………………………………………..
distantes margens delineando a noite,
pontilhadas por pequenas iluminações esparsas
que parecem só existir assim, vistas de longe.
Dentro desta gaveta estou eu com dezassete anos, no pinhal ao sol,
com duas latinhas de lulas e a minha ideia de poesia.
Aquela gaveta, que parece mais privada,
seria a que as mulheres daquele tempo escolheriam
para retocar nos lábios o bâton cereja.
E nesta, mais notória,
estarão os cães a ladrar e a caravana a passar.
Tenho ideia de que será nesta gaveta – bem, ou talvez nesta –
que se poderá encontrar Françoise
a soltar o seu cabelo castanho de francesa.
Mas, por exemplo, não faço a mínima ideia
onde possa estar a brisa suave que ameniza a temperatura de Agosto,
nem a gaveta que guarda o relógio que nunca pára
e que agora, muito naturalmente, assinalará as banalíssimas onze da manhã.
É provável que no armário já não exista nenhuma gaveta
com o entusiasmo do mar sobre os penedos. É provável que já não haja
nenhuma gaveta vaga para a senhora de apelido Araújo
e para as palavras límpidas que de olhos nos olhos dissemos,
enquanto – na voragem exterior a nós – lhe dedicava um livro
e lhe entregava nesse olhar os meus últimos feixes
de vitalidade, os meus mais raiados votos de que fosse feliz.
Não mais a verei, amável senhora,
inteligente e bonita senhora sensível. Não mais a verei,
e vim para esta casa com essa amargura.
Porque penso que a poderão interessar, procure as palavras
de Isabel Rio Novo sobre a Dimensão Fantástica.
Presumo que as encontrará com facilidade nos recentes dispositivos tecnológicos.
E procure também a própria Isabel Rio Novo; encontrá-la-á
ao seguir pela escada que dá para o lado do mar.
Senhora de apelido Araújo, esta foi a forma que tive de comunicar
consigo. De lhe dizer que acredito em si. De lhe dizer
que acredito na Nova Mulher, com a Qual (movimentos democráticos
de cariz feminista) me estanciei no lindíssimo período da minha mocidade. Essa [Mulher
é ainda hoje a minha Mulher favorita. E agora, desta vez, sugiro-lhe
que procure Ana Luísa Amaral, encontrá-la-á com facilidade onde estiver a [acontecer
a boa educação.
Mostre a sua existência, caríssima senhora Araújo, mostre o seu valor,
mostre que não é uma metáfora deste texto. E exista tal qual é,
ouça, tal qual é, não pusilânime, não petulante feita à pressa, não solerte
miserabilista, não carneirinha da manada, e sabendo
– como bem o sabe – que o azedume não é sinónimo de raciocínio,
antes sim, como facilmente se compreende
(só os próprios azedos não o compreendem por nada saberem raciocinar),
sinónimo das próprias frustrações.
esta foi, bela senhora de apelido Araújo, a forma que tive de comunicar
consigo, a forma que encontrei para lhe poder dedicar as duas próximas estrofes.
Crianças de aldeias, crianças a quem na infância acenei
do vidro traseiro do automóvel rápido
e que ficaram pelos caminhos a brincar ao verão,
sem que para isso precisassem de conhecer praias.
O que foi feito de vós?
O que fizestes aos vossos sorrisos puros?
Como eu gostava que a minha vida vos tivesse oferecido uma gaveta!
Choro agora de tantas saudades por tão breves instantes.
Raparigas contentes em suas roupas claras,
em suas roupas claras sobre os seios que cresciam,
amei-vos sem nunca mais vos ver,
amei-vos por nunca mais vos ter visto,
amei-vos intensamente, como a qualquer coisa que se desprende
e se perde da nossa lembrança de saber o quê.
Em mim ficastes a pertencer às distâncias cheias de luz,
diluídas agora, e ainda mais, pelas minhas lágrimas.
Neste momento, tardio, em que é de mim que me despeço,
entregar-vos-ia, no melhor gesto da vida, o meu armário todo.
A baleia encalhada deve estar nesta gaveta maior,
e nestas ao lado estarão as pessoas transportando água do oceano
para lhe verter no dorso.
Se de facto é nesta gaveta maior que está a baleia,
é por aqui que está o marinheiro da luz pálida e molhada,
a comunicar que mais nada se podia fazer;
a baleia tinha morrido.
Lembro-me de um dia ter escrito livros, de ter
falado de bosques.
Agora só tenho no meu quarto
um armário cheio de gavetas
fechadas por alguém ou por mim há muito tempo.
Um armário com imagens separadas
que tão a sós não fazem um poema.


Daniel Maia-Pinto Rodrigues in, A Casa da Meia Distância

A Casa da Meia Distância

No passado dia 10 de Fevereiro foi lançado o novo livro do Daniel: 

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Foto Biografia

1961
Com a mãe, foto colorida pelo pai


1962 com 18 meses

1966 com o pai


1967


Com a irmã aos 6 ou 7 anos


1969 com a mãe e a irmã


1973 com 13 anos


1979 com 19 anos


1982 com 22 anos


1988 com 28 anos


1991 com o filho


1991 com 31 anos


1994 com 34 anos


1995


2000 com 40 anos


2009 com 48 anos


2009





Daniel por Daniel


“De mim, eu direi o seguinte: divorciado. Casei em 1984. Em 1986 nasceu o Daniel Henrique, o meu único filho. As zonas mais sossegadas do paranormal – ou seja, as menos “espampanantes” e menos “parolas” – e, também, o automobilismo e a música acompanham-me há longo tempo, como motivos onde descubro interesse. Também aprecio o futebol, o atletismo, os documentários televisivos, o culto da memória, os jogos RPG para consola, o coleccionismo (sobretudo os que se debruçam sobre a Natureza), a preservação dos objectos. Quando votei, votei sempre na esquerda.”

Julho de 2009, Daniel Maia-Pinto Rodrigues

In, Página Literária do Porto