quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Entidade Nocturna

Aí por alturas de um ciclo de conferências
fui ver uma exposição de pintura
à Fundação Engº António de Almeida
onde vim a travar conhecimento
com uma jovem timorense
que vivia na Maia há um ano e meio.

Ora, eu, talvez por ter chamado a atenção da jovem
rapidamente fiquei a par
das causas do povo maubere.
O fim da tarde estava frio
e apesar de me sentir constipado
prestei-me para o que desse e viesse.

Fomos jantar a um restaurante chinês.
Ela era bonita e, já se vê, um pouco escurita.

Combinámos ir no fim-de-semana seguinte
a um tal sítio que ela conhecia
não sei quê de um lago, não sei onde
à beira de um pinhal.
Enquanto aplicava uma expressão de interessado
eu ia pensando é se aquilo não seria mas é um truque
ou coisa assim.
Pergunta-me ela, então:
"Tu não tens medo do Black Jumento, pois não?"
"De quem?"
"Do Black Jumento!"
O Black Jumento, explica-me ela, é uma entidade nocturna
que aparece nas margens dos lagos
quando se apercebe que há romance no ar.
Ó diacho, isto está a ficar complicado, pensava eu
enquanto sorria e arregalava os olhos.

No fim-de-semana combinado
fomos no carro dela
por uns sítios que não sei bem
onde eram, mas, de facto
lá acabámos por ir dar a um pinhal.
O dia estava bonito. Uma luz coada
pairava sobre os pinheiros.
Fizemos um piquenique
e sentíamo-nos bem.
As horas corresponderiam às do Princípio da Tarde.

Depois de quase termos adormecido
fomos dar um passeio.
Era tudo indistinto, aprazível, refractado.
Um vento suave agitava as árvores
eu sentia regressos, luzes, descontracções
e de uma forma desfocada e quase súbita
avistei um lago.

Olhei para ela de repente
e ela, doce, olhava para mim.
O dia mergulhou no lago
e ela, doce, olhava para mim.

Eis se não quando aparece o Black Jumento.
"Desculpa lá, ó Black Ju... Jumento
tu, para além de seres nojento
podias ter aparecido noutro momento."
O Black Jumento, sem se desmobilizar
e não pensando ele noutra coisa
apressado a tirar os calções.
"Ó Jumento, mas qual é a tua ideia, meu?!"
"A minha ideia é que tu me dês o que pensas que é teu!"
"Espera lá - disse eu - não me são estranhas essas tuas patas..."
"Ó português, meu trengo, não vês que sou o Ali Alatas!"

Daniel Maia-Pinto Rodrigues, in Dióspiro

Sem comentários: